Contra o dia burocrático e o modo funcionário de viver

26.4.07

Os vizinhos do lado

Passados trinta e três anos sobre a Revolução, mudado o rosto, os caminhos e sobretudo o caminho do Portugal democrático, os traços genéticos de um povo que viveu décadas fechado sobre si foram, em parte, substituídos pela modernidade de pensamento, mas noutra mantida a pequenez de vistas e uma incapacidade genérica de dizer bem de um, dizendo-se, com muito determinada facilidade, bem de muitos desde que integrem uma massa indistinta ou que dela pouco se destaquem. Se Amália já nos morreu, Eusébio está a salvo, o fadinho deste povo que se esforça por manter só sua a palavra «saudade» vai-se mantendo pequeno quando pensante no que faz o vizinho do lado.
Passados trinta e três anos sobre a Revolução, mudou tudo e continuamos nós muito iguais a nós próprios. Muito diferentes, mas em permanente comentário sobre o alheio.

Sempre


Comemorado ontem, mas para lembrar sempre.
Como faz o meu amigo Pedro Marques Lopes.

23.4.07

Any given weekend

Esperava-se, com pouca agitação, pelas eleições deste fim-de-semana.
Na nossa versão lusa, pouco mais poderíamos esperar senão mais do mesmo, permanecendo a escassa dúvida sobre que mesmo seria esse. Paulo Portas venceu, aparentemente apenas não convenceu os militantes do CDS-PP de Viana do Castelo, e convenceu os portugueses de que a direita vai ganhar outro fôlego e desafiar o governo socialista. Confesso que vi apenas o sorriso de Paulo Portas, vitorioso, de volta, depois de ter andado, muito presente, por aqui e ali. Um sorriso impoluto que ganhou a fotografia toda.
Nas presidenciais francesas, aquelas que todo um Portugal pretendeu ignorar, Sarkozy venceu a primeira volta e Ségolène seguiu-o. Estranho seria se Bayrou tivesse cativado no centro-cinza, se mais de 11% dos eleitores franceses revelassem a sua intensa xenofobia e Le Pen, existindo a alternativa de protesto Bayrou, tivesse pulado para os antes previstos 16%. Na terra da liberdade, chegará Sarkozy ao Domínio dos Deuses? Como escreve o El Pais de hoje, a verdadeira batalha começou ontem. Pela revisitação da V República, ou por uma novel criada VI República?

17.4.07

Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril

Exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntário da gravidez

Artigo 1.º
O artigo 142.º do Código Penal, com redacção que lhe foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, e pelo Lei n.º 90/97, de 30 de Julho, passa a ter a seguinte redacção:

«Artigo 142.º
1- Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida, quando:
a)......................................
b)......................................
c)Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer , de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo;
d) .....................................
e) For realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas de gravidez.

16.4.07

Um popular partido




No Partido Popular, Paulinho das feiras foi
sucedido por Ribeiro e Castro dos bailaricos,
que poderá ser sucedido por Paulinho das feiras.

15.4.07

Em antena...

... a convite do Pedro Rolo Duarte, esta manhã, na Antena 1.
Uma boa conversa sobre blogues, este blogue, escrita, política, a aridez ou o dinamismo das coisas.
Obrigada pelo convite, Pedro.

14.4.07

Sem título.


Parece-me que somos todos nacionalistas. Ou rogar pragas de manhã no trânsito, fazer uso do lusitano fadinho e queixarmo-nos do estado de todas as coisas, dar um ou outro murro na mesa quando equipas espanholas eliminam o Benfica da Taça UEFA e esboçarmos um «eu sabia» face à má figura de Zidane, tão somente porque nas meias-finais do Mundial voltámos a ser eliminados pela França, e detestar as segundas-feiras porque nos inibem de prolongar a fotosíntese do fim-de-semana, faz de nós menos amantes de Portugal?
Ah, isso e precisar de pilhas a meio da tarde de um domingo e num raio de quilometros apenas uma loja propriedade de um senhor nacional da China se encontrar aberta, e estar consciente que chego de Lisboa ao Porto em três horas graças aos fundos comunitários e que a inversão da tendência da pirâmide etária apenas sucederá de forma cosmopolita... serei menos portuguesa por tudo isto?

O referendo

Não tenho por hábito mudar de opinião, não tendo também das coisas uma visão absoluta que me leve a considerar que, como a rábula, raramente tenha dúvidas ou engano.
Defendi, no plano da ausência de legitimidade popular bastante da União Europeia, ou do seu marcado défice, que o Projecto de Tratado que Estabelece Uma Constituição para a Europa seria, apesar de todas as deficiências, um instrumento útil de legitimação (num texto académico publicado sobre o tema Constituição e Legitimidade Social da União Europeia). Para tal, entre condições várias e idealmente deveria ser referendado em todos os Estados-Membros da União.
E assim permanece a minha opinião. Mas aquele Projecto de tanta coisa e coisa alguma, falhou vários dos objectivos que geneticamente o sustentavam. A questão constitucional deve marcar a agenda, e gostava eu que marcasse a nossa Presidência.
Referendar ou não referendar?
Uma Constituição sim, aquele Projecto adiado e readiado, também já não sei se será a questão.

Sombras Chinesas


Todos nós, sem que exista alma imaculada que sempre tenha resistido à tentação, já nos fizemos passar pelo que não somos. Por alguma personagem que não é a nossa, e construímos e desconstruímos e o real continua.
Curiosa é a percepção alheia desta (re)invenção de nós próprios. Fazemo-nos passar por algo que não somos a mais das vezes sem dano ou ofensa a outros e à realidade. E, parece-me, a percepção dos outros é nula, inexistente ou iludida, nestas trocas momentâneas connosco próprios.
É certo que fazermo-nos passar por aquilo que não somos pode induzir gravidade e perigo no quotidiano. Pode magoar terceiros, pode criar um jogo de sombras chinesas duradouro. Pode ser criminoso, e há a justiça sistemática dos homens e há outras. Mas esta passagem por coisa que se não é, é do foro próprio. Já a acusação de que nos fazemos passar por aquilo que não somos faz parte de outros jogos, por vezes bem mais sinistros e de métricas que se distanciam da verdade. É sempre curioso observar como os outros fazem de nós o que querem, fazendo-nos passar por aquilo que, sem procurarmos ser, realmente não somos.

10.4.07

PROMULGADA

Foram muitos anos de espera. Décadas.
O Presidente da República promulgou ontem a alteração ao Código Penal que despenaliza a interrupção voluntária da gravidez realizada a pedido da mulher, até às 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.
Finalmente. Amigos, companheiros e camaradas. Sem júbilo, porque já íamos tarde.
Finalmente. Mesmo com Mensagem.

Asterix Gladiador



Os candidatos presidenciais da Direita francesa falaram às elites e o seu reflexo nos meios de acesso popular - também conhecidos como comunicação social - deu brado.
Sarkozy, entrevistado pelo filósofo Michel Onfray para a Philosophie Magazine, diz-se levado a crer que os pedófilos nascem ja com tal patologia - cuja a inexistente cura o preocupa - e que o suicídio juvenil é consequência de um sofrimento e fragilidade genéticos. Ségolène Royal queixou-se, e bem, que se ousasse filosofar pelos campos da genética e da ciência com tamanha displicência, o céu cairia sobre a sua cabeça.
Le Pen, em visita ao Instituto de Ciências Políticas de Paris - que teve por banda sonora a constante interrupção do discurso por gritos adjectivantes de «racista» e «fascista» - defendeu a proibição da distribuição de preservativos nos estabelecimentos do ensino secundário, pois à disposição da mulher estará o anticoncepcional por excelência: a masturbação.
A sensibilidade desta Direita, conservadora e extrema, é extraordinária. A programas económicos ultraliberais correspondem idearios ultraconservadores nos costumes, uma visão xenófoba da França e uma incompreensão social inflexível. Mas, por Toutatis, um destes Senhores é possível Presidente gaulês e o já chamado maestro secreto da campanha soma 16% das intenções de voto.
Perante uns boquiabertos Royal e Bayrou, a Direita prossegue, neste tom, a sua Volta à Gália. Uderzo tem nesta corrida ao Eliseu uma inesgotável fonte não de poção, mas de inspiração.

9.4.07

ABC Popular

Partido sexy: um partido bibelot do regime, um partido plasticina, um partido jeitoso.
in «Dicionário de Recandidatura à Liderança do CDS-PP, contra os aliados objectivos e subjectivos do primeiro-ministro do PS».
Autor: José Ribeiro e Castro

Início de semana




Semana organizada.
Camisas brancas de Doris Salcedo, 1988/1990
Anos 80, Museu Serralves

5.4.07

Coisas deste fim-de-semana

O Jornal de Letras e a autobiografia de José Medeiros Ferreira.
Absinthe dos Ibrahim Electric, um trio de jazz muito plural.
A Antologia Poética de César Vallejo.
Clubbing na Casa da Música, para Páscoas a Norte.
Inland Empire, David Linch volta a filmar Laura Dern.

Diz que é a melhor espécie de resposta

Parabéns a (nós) todos

Os blogues fazem dez anos de existência, noticia o DN. Ou melhor, passam hoje dez anos desde o dia de criação do primeiríssimo blogue.
Parece, então, que toda a blogosfera está de parabéns.

4.4.07

Do referendo ao aconselhamento rumo à promulgação, com paragem na infeliz parada de Isilda Pegado

Isilda Pegado, crente profunda na penalização da interrupção voluntária da gravidez, resolveu prometer ao Presidente da República uma duplicação de eleitores, num novo referendo sobre o assunto: além de um milhão e meio de eleitores que votaram «Não», juntar-se-iam mais um milhão e meio. Cálcula-se que os eleitores porvir seriam fruto de concepção célere. E que, daqui a 18 anos, votariam todos «Não».
A equação não é simples. Atente-se nas variáveis: quem garante que o milhão e meio de eleitores assegura a replicação em igual número? Quantos desse já existente milhão e meio de eleitores contra a despenalização manterão o sentido de voto durante aqueles dezoito anos? Quantos morrerão? Quantos poderão votar, efectivamente, no dia do referendo de 11 de Fevereiro de 2025, sem impedimentos de força maior? E os eleitores on the making, é garantido que todo e cada um votará «Não»?
O jogo democrático ganha contornos futuristas - quiçá de ficção científica - pelas mãos daqueles que tendo direito à opinião, têm direito a votar tantas vezes como todos. Pela mão de Isilda Pegado, rodeada de crianças em cerco manifestante a Belém, a máxima um cidadão, um voto é substituída por um cidadão, o seu voto, e mais outro garantidamente.
É triste que a campanha, mas sobretudo o estilo, perdure.

Fotojornalismo












A minha favorita do vencedores do Prémio VISÃO/BES
Menção Honrosa, Pedro Nuno Vilela (Público)
Lisboa, Abril de 2006
Hospital das Bonecas
Praça da Figueira, Lisboa
Em funcionamento desde 1830

El Rei D. Sebastião


Na manhã de sábado passado estive as três primeiras horas do (meu) dia no Fim-de-semana, programa da RCP com o Luís Osório e com o Nuno Costa Santos (que lançou ontem os seus Aforismos de Pastelaria). Foram meus parceiros de conversa o Pedro Marques Lopes e Elísio Summavielle, o presidente do IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico). A manhã deslizou e falou-se, inevitavelmente, do veto do IPPAR à abertura do túmulo de D. Afonso Henriques.
Seria uma enorme desilusão descobrir que o pai da Nação, afinal, não está sepultado em local de culto histórico, por culpa do malvado ADN. Mas desilusão pior, muito pior, resulta da leitura da entrevista de Elísio Summavielle na Visão de hoje: «ainda não é oficial, mas está a ser instruído um pedido para abrir o túmulo de D. Sebastião, também nos Jerónimos», afirma. Desgraça. Calamidade. El Rei D. Sebastião não havia ficado perdido, na batalha de Alcácer Quibir? Já dizia a canção de José Cid...
Dias depois da eleição de Salazar como O «Grande Português», relembrar ao povo que o mito do sebastianismo foi criação do Senhor Professor é doloroso. Se a Dona Amália já lá vai mas o registo vocal para sempre fica, e o Eusébio ainda anda por aqui, aquele que permite a cada português o exercício mímico de aguardar por um salvador que nunca chega, não pode estar sepultado nos Jerónimos.
A história lembra D. Sebastião como «O Desejado». Dos dez filhos legítimos do seu avô D. João III, apenas o princípe seu pai sobreviveu. E ainda assim por pouco tempo, apenas o suficiente para deixar a sua consorte de esperanças e Portugal expectante. Sobre a coroa pairava o perigo de Espanha.
Os portugueses recordam D. Sebastião como um desejado salvador. É certo que a sua saúde era precária, não ouvia conselhos, interessava-se com fervor apenas pela religião e com garra pela guerra, anacronicamente queria salvar os mouros e conduzi-los à redenção. E pouco mais. Mas estes são pormenores que guardamos em nota de rodapé.
Desde 4 de Agosto de 1578 reina sobre Portugal o desejo do regresso do herói nacional. O nosso décimo sexto rei, que pouco mais vez do que arruinar os cofres do reino contraindo empréstimos para concretizar a sua obsessão - trazer à soberania lusa os berbéres da Palestina - marcou-nos de tal forma que ainda hoje esperamos por um D. Sebastião que nos salve. A multiplicidade de candidatos é patente, alguns apenas saídos do nevoeiro do imaginário próprio, outros efectivos mas pouco assumidos, alguns ainda adormecidos. Mas à salvação da Pátria Mãe, como El Rei, de pouco valem.
Por isso, não é possível. Se já custa admitir que o sebastianismo jaz nos Jerónimos, abrir-lhe o túmulo seria deixar o povo português orfão desta esperança vã mas intemporal. A menos que o ADN revele que, sem sombra de dúvidas, El Rei nunca voltou do nevoeiro e Salazar não nos escondeu nada e é, então, O «Grande Português».

2.4.07

Continuo a votar Nanni Moretti

Ainda que O Caimão não seja o meu favorito. Esse, continua a ser O Quarto do Filho.