Contra o dia burocrático e o modo funcionário de viver

31.12.06

A morte saiu à rua na noite de 30...

... numa cave de Bagdad. A poucas horas de terminar o ano de 2006, enquanto George W. Bush dormia - acaso do fuso horário, presumo - a execução do ditador iraquiano relembra o lado mais sombrio da humanidade. A UE não foi veemente na condenação; nos EUA, pelos vistos, dormia-se; e o aliado australiano congratulava-se pelo respeito e direito ao due process. Mas muitos criticaram. Haja desses.
Foi um genocida, megalómano e ignorante do valor e valores do humano. Não advogando o cristão «dar a outra face», advogaria a clausura perpétua. Ponto final.
O mundo não ficou melhor na saída de cena - televisivamente comprovada - do antigo senhor absoluto da Babilónia.

30.12.06

Porque no final faz-se sempre o balanço...

Do mainstream cinematográfico, guardo no registo de 2006 Infiltrado (Spike Lee), Good Night and Good Luck (George Clooney!), Volver (do meu favorito Almodovar), A Rainha (Stephen Frears), The Departed (Scorsese, Scorsese), and the Oscar goes to ... Match Point e Babel. Fica, também, o Capote (o intérprete, não tanto o filme). De Espanha, bom vento e de França alguns bons casamentos. Os ventos asiáticos continuarão a soprar o futuro.

(Contra) Retrato da aridez

Pedro Lomba escreve hoje na «Geração de 70» sobre «A deserção dos partidos». Cito: «No resto da Europa e também por cá, os partidos estão em queda. Em desertificação. Têm sido preteridos por formas inorgânicas de participação política. Mesmo quem ambiciona experimentar uma carreira política faz o que pode e o que não pode para fugir dos partidos (...)». Adianta, depois, a desnecessidade de sublinhar a importância dos partidos, refere a imensa auto-estrada participativa em que os cidadãos politizados circulam em crescendo. Para concluir pela urgência na adaptação dos partidos ao ar do tempo.
Este relato da aridez apenas deixa de parte alguns elementos fundamentais:
1. Os governos «deixaram de assentar nos partidos» - já alguém experimentou explicar a um co-cidadão europeu que entre nós os Ministros e Secretários de Estado não são previamente eleitos para a Assembleia Magna, mas escolhidos pelo PM? A reacção é de pasmo.
2. Urge adaptar os partidos à novidade da era: pela mão dos que estão, e são, aparentemente, os responsáveis pela desertificação? Enquanto os cidadãos circulam na via principal da participação civico-política, os membros dos partidos vão pela estrada secundária, acenando às novas tecnologias, esperando por uma ponte virtual que ligue uma à outra?
3. Já pensaram que em Portugal, são algumas dezenas de milhar de pessoas - militantes partidários - que escolhem os Deputados, mas sobretudo o Primeiro-Ministro? São os partidos e os que por lá estão que pré-seleccionam, irremediavelmente, o candidato - o vencedor e o perdedor.
4. Por fim: generalizou-se a ideia de que os políticos são maus. É uma quase-regra. Reactivamente, não se vota neles. Abstenção. Regressamos aos que pré-seleccionaram, e voltam a escolher aquele(s) que haviam já escolhido.

Meu caro Pedro Lomba, concordo com a análise. Só a julgo incompleta.
A desertificação dos partidos não é consequência das alterações do clima, não resulta de uma atitude masoquista de isolacionismo partidário, nem da concorrência com a Sociedade Civil. Não são só os partidos que precisam de adaptar-se ao ar do tempo: a imensa maioria que se subtrai, ainda que pareça que não, não deveria apenas participar na política, mas fazê-la, mudá-la, revisitá-la. É que, já dizia Churchill, esta coisa da democracia partidária anda longe do perfeccionismo, mas ainda ninguém inventou melhor.

Babel

Preparem-se para a simplicidade da dor. Para a Babel Global onde tudo é causa e efeito. Para uma geográfica dor multicultural, o link entre os néons de Tóquio (onde o desamparo sem som de Chieko é marcante), o folclore mexicano que delimita a fronteira com o sonho americano, e o deserto marroquino "apenas" perturbado pela bala que começa e recomeça «Babel», de Alejandro Gonzáles Iñárritu. E só pela partilha da dor de cada personagem os vários fragmentos temporais se vão encaixando, as quatro histórias tocam-se e o final só é feliz mesmo no fim: dolorosa e simplesmente, feliz.
Intenso. Fotografia e planos premiáveis. A não perder, numa sala de cinema onde, inevitavelmente, as pessoas murmuram, querem que o filme acabe e querem que tudo se resolva e só o final trás o alívio.

P.S. Gostei do «Babel, Globalmente incompreendidos», de Tiago Alves, na Visão

29.12.06

Vibrant Tony


Na hora da despedida, e já sem «Princesa do Povo», Tony Blair sai bem no retrato de «A Rainha».
Magistral Hellen Mirren, a «estrangeira» do Óscar de Hollywood?

Grumpy Gordon

Gordon Brown, ex-compagnon de route de Tony Blair, estratega da «reciclagem» e subsequente vitória do New Labour em 1997, o escocês que terá sido inseparável de Blair mas quiçá nunca um «Blairista» convicto, está à frente de David Cameron, líder dos tories, nas intenções de voto dos britânicos. Numa sondagem publicada ontem pelo «The Independent», 39% acredita que o Chancellor será melhor PM, contra os 31% de Cameron (nas intenções de voto directas, trabalhistas e conservadores recolhem, respectivamente, 37% e 36%).
A confirmar-se este cenário após a saída de cena de Blair, será a vitória do sisudo face ao telegénico: nas eleições gerais, «Grumpy Gordon» - adjectivação dos britânicos - sairá vencedor. E «Likeable Cameron» vencido.
Depois de décadas de espera, de observar Blair a reconquistar um partido cansado e ansioso por outra via num discurso emocional e emocionado, no último encontro dos trabalhistas, com Cameron a escassos 1% e Menzies Campbell (dos liberais-democratas) à espreita, como é que Brown não haveria de estar «grumpy»? («cranky», «complaining», «petulant», «irritable», «bad-tempered»... o mesmo será dizer, carrancudo ou macambúzio ou circunspecto...).
De referir que «Grumpy Gordon» encontra a sua base de suporte nas classes sociais C e D, e na faixa etária dos 65 e mais - o grupo etário menos absentista nas urnas. Já «Likeable Cameron» faz sucesso entre as mulheres e é popular junto das classes sociais mais altas e dos jovens entre os 18 e os 24 anos.
Face ao registo de intenções, até à decisão nas urnas muito pode acontecer: a juventude - mas inexperiência - a telegenia - mas parca densidade - e a capacidade «to understand ordinary people» de David Cameron pode representar uma certa continuidade do estilo Blair, e ganhar. Mas por terras de Sua Majestade as tendências para 2007 talvez sejam susbtância e experiência, e o look «Grumpy».

(A sondagem é da CommunicateResearch: www.communicateresearch.com)

Ainda em 2007: UMMAH, Imágenes de un islam plural

Exposição de fotografia de Luís Monreal, arqueólogo e historiador de arte, que dirige actualmente, em Genebra, a «Aga Khan Trust for Culture». Até 21 de Janeiro de 2007, na Casa Amatller, segundo edifício da «Manzana de la Discordia» da Modernista Barcelona. Uma dentada agridoce ao entrar num ano de discórdias (muito) plurais.

P.S. Não concordo com Paulo Portas quando, no início de Dezembro, escreveu na «solarenga Tabu» que andou por uma Madrid «cada vez mais cosmopolita, enquanto Barcelona está a ficar etnocêntrica, perdão, etno-excêntrica, pobrezas de um nacionalismo tribal». Como apontamento: a personagem principal da revisitação de Nuno Melo ao sebastianismo escrevia sobre «O Valor da Peseta», concluindo que a peseta foi a boa moeda, e o escuda a má moeda - Felipe González foi melhor do que Mário Soares e Guterres; Aznar foi melhor do que Cavaco e Durão. Até chegar Zapatero, em plena vigência do Euro...